Para além das possibilidades de uma pessoa não poder votar – que foi a temática do nosso último artigo – hoje trataremos sobre casos onde a legislação impede que uma pessoa possa se candidatar a cargos eletivos. Será um texto um pouco mais denso do que o habitual, mas acreditamos que a leitura será edificante.
I – Inelegibilidades constitucionais
As inelegibilidades constitucionais estão previstas no artigo 14, parágrafos 4º a 7º da Constituição Federal. Pela nossa Carta Magna, não podem se candidatar as seguintes pessoas:
- os inalistáveis (notadamente, os estrangeiros e os conscritos [aqueles que estão prestando o serviço militar obrigatório);
- os analfabetos, ou seja, quem não sabe ler nem escrever;
- o Presidente da República, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Prefeito Municipal e quem os tiver sucedido ou substituído no curso do mandato (importante destacar que é permitida uma única reeleição para o mesmo posto, e em caso de candidatura para outros cargos, o titular deve renunciar em até 6 meses da eleição;
- o cônjuge, companheiro (inclusive do mesmo sexo), pais, avós, filhos, netos e irmãos dos titulares dos cargos acima na jurisdição em que atuam (federal, estadual/distrital ou municipal).
II – Inelegibilidades legais ou infraconstitucionais
As inelegibilidades ditas legais ou infraconstitucionais estão previstas, normalmente, na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Por esse diploma legal, não podem se candidatar as seguintes pessoas:
- os deputados (federais, distritais ou estaduais), senadores e vereadores que perderem o mandato por infringir dispositivos legais – seja da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município – ficam inelegíveis pelo restante do mandato mais 8 anos;
- o Presidente da República, o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Prefeito Municipal e seus vices que forem condenados a perda do mandato pela via do processo de impeachment – ficam inelegíveis pelo restante do mandato mais 8 anos;
- o candidato que tiver representação procedente pela Justiça Eleitoral em decisão transitada em julgado (ou seja, da qual não caiba mais recurso) ou proferida por órgão colegiado (ou seja, por mais de um juiz) por abuso de poder económico ou político – inelegível na eleição em que concorre ou foi diplomado e por mais 8 anos;
- as pessoas que forem condenadas se em decisão transitada em julgado ou proferidas por órgão colegiado, pelo prazo de 8 anos após o cumprimento da pena, caso tenham cometido os seguintes crimes:
- contra a economia popular, contra a fé pública, contra a administração pública, contra o patrimônio público;
- contra o patrimônio privado, contra o Sistema Financeiro Nacional, contra o mercado de capitais e crimes falimentares;
- contra o meio ambiente e contra a saúde pública;
- crimes eleitorais cuja pena seja privativa de liberdade;
- crimes de abuso de autoridade, cuja pena implique perda do cargo ou inabilitação para exercer função pública;
- crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores;
- crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e crimes hediondos;
- crime de redução a condição análoga a de escravo;
- crimes contra a vida e a dignidade sexual;
- crimes praticados por organização criminosa, bando ou quadrilha;
- os militares que forem declarados indignos ou incompatíveis ao oficialato – por 8 anos;
- os ordenadores de despesas que tiverem suas contas públicas rejeitadas por irregularidade insanável, a qual configure ato doloso de improbidade administrativa, em decisão irrecorrível – por 8 anos;
- quem tiver exercido cargo de direção, administração ou representação de instituição financeira em processo de liquidação judicial ou extrajudicial – até a exoneração de sua responsabilidade;
- quem for condenado em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado por crimes de: corrupção eleitoral, captação ilícita de votos, por doação, captação ou gastos ilícitos de campanha ou por conduta vedada a agentes públicos em campanhas eleitorais, culminando com a cassação do registro da candidatura ou do diploma – por 8 anos a partir da data da eleição onde ocorreu o ilícito;
- todos os detentores de cargos eletivos que renunciarem, desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo de perda de mandato – por 8 anos a partir da renúncia;
- quem for condenado em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito – da data da condenação ou do trânsito em julgado até 8 anos após o cumprimento da pena;
- quem for excluído do exercício da profissão por sanção do órgão profissional correspondente por infração ético-profissional – por 8 anos, exceto em caso de anulação ou suspensão pelo Poder Judiciário;
- quem for condenado em razão de ter desfeito ou simulado desfazer o vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade – por 8 anos;
- quem for demitido do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial – por 8 anos, exceto em caso de anulação ou suspensão dos efeitos pelo Poder Judiciário;
- pessoas físicas ou dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações tidas por ilegais em decisão com trânsito em julgado ou proferida por órgão colegiado – por 8 anos;
- os Magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, os que perderam o cargo por meio de sentença ou que pediram exoneração/aposentadoria voluntária com processo administrativo disciplinar pendente – por 8 anos a contar da saída;
- os detentores de cargos que exijam a renúncia para desincompatibilização, os quais serão tratados em artigo futuro – tanto quais são os cargos e quanto ao prazo máximo para renúncia.
Realmente estamos tratando de muitas possibilidades, em uma lista exaustiva. Porém, acreditamos que a intenção do legislador ao definir uma quantidade tão grande de situações em que há a inelegibilidade é a de manter a máquina pública dentro dos princípios que a nossa Constituição exige para a administração pública – em especial o princípio da moralidade, tão em falta quando lemos as notícias do mundo político atual.
E este foi o artigo de hoje. Em caso de dúvidas, sugestões, críticas ou elogios, basta clicar na opção contato e preencher o formulário, que responderei assim que possível.
Até a próxima!
Caio Peters Fevereiro
OAB/SP 399.713
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 19 fev. 2024.
________. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, §9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp64compilado.htm>. Acesso em 19 fev. 2024.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 18.ed. Barueri: Atlas, 2022. 1094p.